sexta-feira, 30 de setembro de 2011

A insolência de Judas

 ELE TRAIU

A fé e o afeto de Judas por Cristo eram, no começo, nobres e dignos. Também Judas se sentiu, então, entusiasmado por Cristo. Muitos doentes e possessos foram curados por ele, e muitas aldeias da Galiléia e da Judéia receberam dele as primeiras noções sobre Jesus.
É possível até que o Mestre tenha colocado Judas acima de alguns dos Doze, pois, segundo o testemunho do Evangelho, confiou-lhe o importante cargo de administrador da bolsa comum (cfr. Jo 12, 6). É provável que, por essa razão, alguns dentre os Apóstolos se sentissem preteridos.
Se não era mau por ocasião da sua vocação, deve ter-se tornado mau - quem seria capaz de crê-lo! - na companhia de Jesus. E é isto o que mais nos assombra: que um homem tenha podido fazer-se um demônio junto do próprio Cristo! No momento em que decide trair Cristo e no momento em que leva a cabo a traição, em ambas as vezes os Evangelhos dizem que Satanás entrou nele (cfr. Lc 22, 3 e Jo 13, 27). Quem abandona as alturas, como o Iscariote, cai pelo seu próprio peso nos mais profundos abismos.
O poder das trevas aliou-se, portanto, a Judas e serviu-se desse infeliz para levar a cabo um objetivo que excede em vileza toda a miséria humana; porque há pecados que não podem ser cometidos a não ser sob o influxo do inferno.
Como explicar essa inaudita transformação? Ninguém se torna amigo fiel ou traidor de Cristo de uma hora para a outra. Judas perdeu-se por se ter encerrado obstinadamente no seu próprio eu. Nada estava acima dos seus próprios pensamentos egoístas, e semelhante atitude era já uma traição ao Senhor, muito antes de se concretizar naquela venda infame.
O Senhor [vendo que muitos se afastavam d'Ele, após ter anunciado a Santa Ceia] quis também colocar os Doze perante o dilema: Quereis vós também retirar-vos? Pedro exclamou, respondendo com comovida confiança: Senhor, a quem iríamos? Só Tu tens palavras de vida eterna. Judas, pelo contrário, remoeu-se no seu íntimo, sem, no entanto se atrever a recriminar Jesus por ter renunciado ao reino [temporal] e destruído com essas palavras todos os sonhos de poder e de glória que o Apóstolo havia forjado para si mesmo. Judas ficou desiludido.
Essa permanência mal-intencionada [junto a Jesus] foi o começo da sua traição. Durante todo um ano, equilibrou-se nessa atitude perigosa e cada vez mais instável, compreendendo com clareza crescente que o Senhor não corresponderia às suas ambições terrenas.
Com um ressentimento cada vez mais infeccionado contra o Senhor, foi dando voltas ao seu plano diabólico, até colocar-se a si mesmo numa posição de ilicitude, e ao Mestre num plano de ilegalidade e de culpa.
O Mestre era bom; mais ainda, mostrava-lhe um grande afeto. Era impossível que não tivesse notado a terrível perturbação de que o seu Apóstolo padecia havia cerca de um ano, mas continuava a tratá-lo da mesma maneira: o seu olhar procurava-o amorosamente, como sempre, e, quando lhe pronunciava o nome, a sua voz continuava cálida e amável. Não quisera trazer a público as fraudes perpetradas por ele contra a bolsa comum. Quando Tiago e João tinham querido falar disso com o Mestre, Cristo fizera-os calar e não quisera revogar a confiança que depositava no ladrão.
[Quando Judas criticou Madalena, por estar ungindo os pés de Jesus com um bálsamo precioso] o Senhor replicara: Por que vos escandalizais desta mulher? Ela fez uma boa obra comigo (Mc 14, 7). Judas não pôde resistir a essa repreensão em público e, diabolicamente ferido, aproveitou o pretexto desse "esbanjamento reprovável" para enfim levar a cabo o que por tanto tempo deixara amadurecer no seu íntimo.
Os príncipes dos sacerdotes, tomados de assombro, satisfação e júbilo, não regatearam quando um dos Doze - um dos Doze! - se apresentou diante deles com a proposta por que tanto tinham esperado. Trinta siclos de prata! Judas não tinha outra coisa a fazer senão indicar aos inimigos de Jesus o tempo e o lugar em que o Mestre se encontraria sozinho e isolado da multidão. Vendeu o Mestre muito abaixo do preço de um escravo!


[Na Santa Ceia, Nosso Senhor anuncia a traição. São João pergunta: Quem é? Jesus responde: É aquele a quem eu der o bocado que vou molhar. E, molhando o bocado, tomou-o e deu-o a Judas Iscariotes (cfr. Jo 13, 21-30)].
Como são admiráveis as disposições do Senhor! Aquele pedaço de pão oferecido a um comensal era tão comum nos banquetes, que não podia chamar a atenção; pelo contrário, era uma manifestação de afeto para com um amigo. Cristo não atraiçoa nem mesmo aquele que o atraiçoa. Não lança contra ele nenhuma imprecação, como as que tinha proferido dois dias antes no Templo contra os seus inimigos, nem o entrega ao furor dos outros Apóstolos, seus companheiros.
A insolência de Judas [vai ao ponto de perguntar] Porventura sou eu, Rabi? (Mt 26, 25). Cristo olhou-o como só Deus pode olhar, e respondeu-lhe serenamente: Tu o disseste. Todo esse diálogo entre Jesus, João e Judas passou despercebido dos convivas, ou pelo menos não foi compreendido por eles.
Judas, o apóstata traidor.
Desiludido com Jesus, afagado pelos inimigos deste, ferido por uma repreensão e por fim desmascarado, Judas foi-se afundando cada vez mais no abismo, até tornar quase impossível o arrependimento.
O pecado do traidor chegou ao auge quando Judas atravessou a noite amena e alegre da Páscoa, docemente iluminada pela lua cheia, à frente de uma grande multidão, armada de espadas e varapaus (Mt 26, 47). Lucas observa que Judas os precedia (Lc 22, 47): a um apóstolo convertido em apóstata, tudo lhe parece pouco para demonstrar o seu novo ardor.
Logo que chegou, aproximando-se d'Ele, saudou-o dizendo-lhe: "Mestre!" E beijou-o (Mc 14, 44 e ss.; Mt 26, 48 e ss.). Nele, Cristo experimentou toda a vileza de que é capaz a alma humana; no fundo daquelas trevas [da alma de Judas], vê rompido o selo que trazia o Nome do Senhor, porque nenhum apóstata é capaz de desarraigar completamente esse Nome que, desde o momento do seu Batismo, traz gravado na alma para sempre.
Aproximou o seu rosto do traidor, do infame, e trocou com ele o beijo da paz. Após uns instantes de silêncio, disse-lhe: Amigo, a que vieste? E depois, como se reprimisse um soluço: Judas, com um beijo entregas o Filho do homem? (Mt 26, 50; Lc 22, 48).
[Já profetizara o Salmista:] Se a ofensa viesse de um inimigo, Eu a teria suportado; se a agressão partisse de quem me odeia, dele me teria escondido. Mas tu, meu companheiro, meu amigo íntimo, que te sentavas à minha mesa e comias comigo doces manjares! (Sl 54, 13-15). Mas tu...!
Mas ai daquele por quem o Filho do Homem será entregue! Melhor lhe fora a esse homem não ter nascido (Mc 14, 21).

Um comentário:

  1. "Mas ai daquele por quem o Filho do Homem será entregue! Melhor lhe fora a esse homem não ter nascido". (Mc 14, 21)
    Isso continua sendo feito nos dias de hoje. A cada servo de Jesus que torturam, perseguem, matam estão fazendo com o próprio Jesus. Irmãos murmurando contra irmãos,caluniando,difamando, etc.
    A paz de Jesus!

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